“Cruzeiro tem seu segundo dono, o maior atacadista do país. O Atlético tem três torcedores banqueiros. O Fluminense tem 15 famílias, entre elas um dos maiores banqueiros do país. Aqui, infelizmente, não temos milionários torcedores do Vitória — não temos nem sócios.” Foi assim, direto e sem rodeios, que o presidente Fábio Mota resumiu a diferença de força financeira entre o Vitória e alguns dos rivais nacionais. A coletiva no Barradão teve tom de diagnóstico: o clube precisa de capital novo, governança mais dura e planejamento de longo prazo.
Mota voltou a defender a transformação do clube em Sociedade Anônima do Futebol. Para ele, a SAF do Vitória não é moda, é estratégia de sobrevivência. “O futebol do Nordeste precisa de SAF para ser competitivo. Não sou contra, pelo contrário.” O dirigente reconheceu que o caminho é demorado e trabalhoso. “A do Bahia levou três anos. Não acontece da noite para o dia: tem conversa, troca de documentos, due diligence. Está andando. É o caminho natural.”
Ao comparar com outras praças, Mota mirou em casos que viraram referência de tração financeira. O Cruzeiro passou por uma mudança de controle e, depois do ciclo com Ronaldo, atraiu um investidor de grande porte do varejo alimentar. O Atlético-MG estruturou sua SAF sob a influência de um grupo de empresários com enorme capacidade de crédito, entre eles nomes ligados ao mercado financeiro e à construção civil. No Rio, o Fluminense não virou SAF, mas se apoia em doadores de alto poder econômico — uma rede de famílias que ajuda o clube a atravessar turbulências de caixa. O recado por trás da comparação é simples: sem dinheiro novo e previsível, a régua competitiva sobe e o Vitória fica para trás.
Mota elevou o tom quando tratou de impostos. Segundo ele, a partir de 2026, clubes que não forem SAF pagarão 12% a mais em tributos. O alerta toca numa ferida sensível: no formato associativo, a carga tributária e trabalhista pesa, sobretudo quando há atraso e correção de dívidas antigas. A SAF, por sua vez, nasce com um regime tributário específico e com instrumentos para organizar passivo e fluxo de caixa. “Mas só faz sentido com investidor sério”, repetiu o presidente, apontando para a necessidade de garantias, governança e metas no contrato.
Para preparar o terreno, o Vitória realizou workshops internos, contratou um escritório de advocacia especializado e já desenha um modelo de estrutura societária. A direção tem mapeado cenários: venda de controle com salvaguardas, aporte por etapas condicionado a metas esportivas e financeiras, ou participação minoritária com opção de compra. Em todos, o clube fala em cláusulas de proteção a ativos estratégicos — como o Barradão e a base — e políticas de transparência na gestão.
O pano de fundo é a vida real do time no Brasileirão. O Vitória briga contra o rebaixamento e precisa pontuar com urgência. O próximo jogo, um confronto direto com o Fortaleza, está marcado para sábado, às 16h, no Castelão, pela 23ª rodada. A comissão técnica trabalha sob pressão: cada rodada muda a matemática do Z-4, cada gol pode dar fôlego ou empurrar mais para baixo. Em paralelo, a direção tenta não desmontar o planejamento de médio prazo por causa do drama do curto prazo.
Mesmo com a SAF no radar, o clube segue se mexendo no mercado. Mota anunciou um acordo com um atacante espanhol formado em La Masia, a base do Barcelona. A expectativa é de que ele chegue ao fim de semana para realizar exames e assinar. O perfil agrada: mobilidade, formação tática sólida e experiência em contextos de pressão. A ideia é oferecer uma alternativa de velocidade e definição para um ataque que oscila.
Por que esse movimento agora? Porque capital esportivo também é ativo financeiro. Escapar do rebaixamento garante receitas de TV, exposição de marca e bilheteria maiores para 2025. E isso conversa com qualquer investidor que esteja de olho no Vitória: quanto mais previsível for a receita, mais racional fica o valuation, mais barato é o capital.
A Lei da SAF abriu uma janela que mexeu com o tabuleiro. O modelo permite separar a operação do futebol da associação, dar transparência a contratos e criar mecanismos de pagamento de dívidas sob regras claras. Clubes que se reorganizaram por esse caminho ganharam gás para investir, enquanto outros patinam na corrida tributária e na renegociação de passivos. No Nordeste, o Bahia virou o case mais emblemático ao atrair um grupo global e reestruturar processos. O recado que chega a Salvador é que o processo exige tempo, documentação robusta e governança desde o primeiro dia.
Fortaleza e Ceará analisam caminhos diferentes: um aposta em gestão enxuta e receitas recorrentes; o outro abriu conversas, mas prefere cautela para não vender no desespero. Sport, Náutico e Santa Cruz vivem momentos distintos, com debates internos, mudanças de diretoria e disputas judiciais que atrapalham. Em resumo, cada clube tem sua urgência — e sua margem de manobra.
O Vitória tenta não repetir erros que apareceram em outros negócios de SAF pelo país. A pressa, em alguns casos, alimentou escolhas ruins: investidores sem lastro, conflitos de governança, promessas de aporte que não saíram do papel e intervenções da Justiça quando metas não foram cumpridas. Mota bate na tecla do “investidor sério” justamente por isso. Na prática, isso inclui prova de fundos, metas contratuais, cronograma de aportes, compliance, conselhos independentes e transparência em números trimestrais.
O ponto sensível é o preço. Em cenário de queda esportiva, o valuation despenca. Por isso, a direção tenta segurar a operação até ter argumento melhor à mesa: permanência na Série A, aumento do quadro de sócios, acordos comerciais mais longos e calendário cheio no Barradão. O presidente reclama da base de associados pequena, mas o clube tem como virar essa página com campanhas agressivas de adesão, planos populares e benefícios simples, porém valiosos — prioridade de compra, descontos em rede parceira e experiências no dia de jogo.
No curto prazo, a diretoria trabalha em duas frentes: fazer caixa e cortar gastos sem desmontar o elenco. Patrocínios pontuais, adiantamento de receitas com desconto menor e ativação comercial em dias de jogo entram no radar. Do outro lado, revisão de contratos, metas de produtividade e foco em atletas com revenda possível. Não é glamour, é contabilidade aplicada ao futebol.
O torcedor quer saber de bola na rede, não de cláusula societária. Mas uma coisa puxa a outra. Quando Mota olha para Cruzeiro e Atlético-MG, ele mira a capacidade desses clubes de transformar apoio financeiro em elenco competitivo e infraestrutura. No mundo real, isso aparece na folha salarial em dia, em CT equipado, em análise de desempenho robusta. É essa ponte que o Vitória tenta construir: da planilha para o placar.
O cronograma da SAF, se andar, deve atravessar 2025. Entre consultas ao mercado, troca de minutas e auditorias, há margem para o clube fechar uma proposta até o ano que vem. Até lá, a pauta é sobreviver. O jogo de sábado em Fortaleza vale mais do que três pontos. Vale fôlego, argumento de negociação e um pouco de paz para trabalhar. E, claro, um recado a quem pensa em investir: o Vitória segue vivo, disposto a brigar dentro e fora de campo.