Na manhã de sábado, 25 de outubro de 2025, em meio à 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em Kuala Lumpur, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, de 79 anos, fez uma declaração que virou meme global: "Eu acho que ele pode comer um pedacinho do bolo". A frase, dita com um sorriso e provocando risos entre jornalistas, referia-se ao aniversário de 80 anos dele, marcado para a segunda-feira seguinte, 27 de outubro. Mas por trás do tom descontraído, havia uma jogada diplomática fina — e urgente.
Um bolo, um encontro e uma tarifa de 50%
O convite ao presidente dos Estados Unidos, Donald John Trump, não era só um gesto amigável. Na verdade, era o prelúdio de um encontro bilateraL que havia sido agendado — mas ainda não oficializado — para o domingo, 26 de outubro, das 17h às 18h (horário local de Kuala Lumpur, ou 6h-7h de Brasília). O local: o Centro de Convenções em Putrajaya, a capital administrativa da Malásia. Enquanto Lula brincava com o bolo, Trump já havia mencionado a reunião a bordo do Air Force One, enquanto voava da Coreia do Sul para a Malásia. A tensão era palpável. O Brasil enfrentava uma sobretaxa de 50% sobre exportações de aço, alumínio e produtos agrícolas — o chamado "tarifaço" — e sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e servidores do programa Mais Médicos, lançado em 2013.Entre o humor e a diplomacia: o encontro que ninguém anunciou
Lula, ao ser questionado sobre onde seria o encontro, respondeu: "Eu não sei onde vai ser". O comentário, aparentemente ingênuo, gerou especulações. Seria uma reunião paralela, fora da agenda da ASEAN? Um gesto intencional para evitar a exposição midiática? O governo brasileiro, com sede em Brasília, e a Casa Branca em Washington, D.C., mantiveram silêncio oficial até o momento do encontro. Isso era comum em negociações delicadas — mas raro entre líderes com perfis tão públicos como os de Lula e Trump.Na reunião, segundo fontes próximas aos dois governos, a discussão girou em torno de três eixos: redução das tarifas, reversão das sanções e cooperação em energia limpa. Trump, conhecido por sua abordagem de "negociação dura", não cedeu em nada publicamente. Mas também não fechou a porta. "Não sei se algo vai acontecer, vamos ver", disse ele após o encontro — frase que ecoou em Brasília como um sinal de abertura, mesmo que tênue.
"Cara bem vigoroso" — o elogio que não foi só cortesia
Na manhã de segunda-feira, 27 de outubro de 2025, enquanto o Air Force One decolava de Kuala Lumpur, Trump voltou a falar com a imprensa. E desta vez, o tom mudou. "Tivemos uma ótima reunião", disse. "Quero desejar um feliz aniversário ao presidente. Ele é um cara bem vigoroso. Fiquei muito impressionado." O elogio não foi casual. Trump, também com 79 anos, tem um histórico de desdenhar de líderes mais velhos — mas Lula, apesar da idade, é conhecido por sua energia física e retórica contundente. O fato de Trump ter mencionado explicitamente o aniversário — e de forma calorosa — foi interpretado por analistas como um sinal de respeito, mesmo que não acompanhado de compromissos concretos.Por que isso importa para o Brasil?
O impacto econômico da tarifa de 50% é real. Em 2024, o Brasil perdeu cerca de US$ 2,3 bilhões em exportações por causa das medidas americanas. Setores inteiros, como o de mineração e a indústria de carne bovina, estão em alerta. O governo Lula, que assumiu seu terceiro mandato em 1º de janeiro de 2023, tem como prioridade reconstruir relações comerciais com os EUA — algo que foi severamente danificado durante o governo Bolsonaro. O encontro em Kuala Lumpur foi a primeira chance real de diálogo desde que Trump voltou ao poder, em 20 de janeiro de 2025.Na prática, o bolo de Lula não foi só um gesto simbólico. Foi uma estratégia. Ele sabia que Trump responde a personalidade, a provocação, o humor. E ele usou isso. Em vez de uma reunião fria e burocrática, criou um momento humano. E isso, em diplomacia, pode ser mais poderoso do que qualquer documento assinado.
O que vem a seguir?
Ainda não há previsão de nova reunião. Mas fontes do Itamaraty afirmam que uma equipe técnica brasileira deve viajar a Washington nos próximos 30 dias para discutir detalhes das tarifas. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, já sinalizou que o Brasil está disposto a abrir o mercado para produtos farmacêuticos e tecnológicos americanos — em troca da redução das barreiras. É um jogo de xadrez. E o primeiro lance foi dado.Frequently Asked Questions
Por que Lula escolheu o gesto do bolo para convidar Trump?
Lula usou o bolo como metáfora leve para desarmar a tensão diplomática. Trump é conhecido por responder melhor a interações pessoais do que a discursos formais. O gesto foi inteligente: transformou uma negociação difícil em um momento humano, criando espaço para diálogo sem pressão. Funcionou — Trump mencionou o aniversário publicamente, algo que raramente faz com líderes estrangeiros.
Quais são as principais tarifas que os EUA impuseram ao Brasil?
Os EUA impuseram tarifas de até 50% sobre aço, alumínio e produtos agrícolas brasileiros, como carne e suco de laranja. Em 2024, isso custou ao Brasil cerca de US$ 2,3 bilhões em perdas. Além disso, sanções foram aplicadas a ministros do STF e servidores do programa Mais Médicos, sob a alegação de "interferência em direitos humanos" — um argumento rejeitado pelo governo brasileiro como falso.
O encontro entre Lula e Trump foi oficialmente confirmado antes da reunião?
Não. Embora Trump tenha mencionado o encontro no Air Force One, nem a Casa Branca nem a Presidência do Brasil divulgaram comunicado oficial até horas antes do encontro. Essa estratégia de "silêncio estratégico" foi usada para evitar pressão da mídia e permitir conversas mais abertas, algo comum em negociações delicadas entre líderes com históricos de conflito.
O que mudou nas relações Brasil-EUA desde o governo Bolsonaro?
Durante o governo Bolsonaro (2019-2023), as relações se deterioraram por divergências em clima, direitos humanos e política externa. Lula, ao contrário, busca reaproximação com base em interesses econômicos e multilateralismo. O encontro em Kuala Lumpur foi o primeiro passo concreto nessa nova fase — mesmo sem acordos imediatos, o canal de diálogo foi reaberto, algo que não acontecia desde 2021.
Trump realmente cedeu em alguma demanda brasileira?
Não formalmente. Trump disse que "não sabe se algo vai acontecer", o que indica que nenhuma decisão foi tomada. Mas o fato de ele ter elogiado Lula publicamente e mencionado o aniversário sem provocação sugere que o tom das relações mudou. A pressão diplomática agora pode ser mais eficaz, pois o ambiente está menos hostil.
Qual o próximo passo do governo brasileiro?
Uma equipe técnica do Itamaraty viajará a Washington nos próximos 30 dias para discutir a redução das tarifas. O Brasil está disposto a abrir seu mercado para medicamentos e tecnologia norte-americana, em troca de acesso mais justo para seus produtos. A ideia é construir um acordo de troca mútua — e não apenas pedir concessões.
Leandro Fialho
outubro 29, 2025 AT 06:44Isso foi genial. Lula sabia que o Trump só entende quando alguém fala na língua dele: humor, gesto, personalidade. Nada de discursos pesados. Um bolo e pronto. Foi como dar um soco de pelúcia na cara da tensão.
Eduardo Mallmann
outubro 30, 2025 AT 09:14É inegável que o Presidente Lula demonstrou, mais uma vez, uma maestria diplomática de rara sofisticação. A utilização de um símbolo aparentemente trivial - o bolo - como instrumento de soft power é um exemplo clássico de estratégia de comunicação não verbal, alinhada às teorias de Kenneth Boulding sobre a transformação de conflitos por meio de ritualização simbólica.
Ademais, o silêncio estratégico prévio à reunião, longe de ser negligência, constitui um ato de soberania comunicacional, evitando a instrumentalização midiática e preservando a autenticidade do diálogo.
Trump, por sua vez, embora ostentando uma retórica beligerante, demonstrou sensibilidade ao reconhecer a vigorosidade de Lula - um elogio que, em seu repertório, equivale a uma rendição moral.
Timothy Gill
outubro 30, 2025 AT 12:50